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Palavra do Pároco

Acompanhe os artigos e reflexões do Pe. Rogério Luís Flôres, pároco da Catedral, que escreve dando continuidade e referências às homilias proferidas em nossa matriz.

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Natal: o Deus-Menino que desarma os espíritos

24/12/2022

 

Com certeza a Festa do Natal deste final de 2022 assinala pontos bem precisos que precisam ser acentuados sem medo de tocar em feridas milenares da Humanidade. Não basta desarmar espíritos (o que é fundamental se quisermos existir como seres humanos), mas é preciso acolher a salvação que vem do alto, que vem de Deus, que tem nome, que entra na História da Humanidade, que definitivamente estabelece o ápice e o cume da História da Salvação. O comentário do missal nos ajuda na reflexão.

 

Um menino nasceu para nós: para conquistar os homens, para elevá-los sim, para falar com eles, Deus veio a este mundo, como uma criança, como um balbucio que é fácil sufocar. E, de fato, o sufocam. Sufocam-no, fazendo do Natal a festa da sociedade de consumo, do esbanjamento institucionalizado; a festa dos presentes e das decorações luminosas, do décimo terceiro salário e das champanhes e panetones; festa de certa poesia de bondade generalizada, de um difuso sentimentalismo com verniz de generosidade e emoção. Outros sufocam o Deus-Menino impedindo-o de crescer: Deus permanece criança por toda a sua vida; uma frágil estatueta de terracota, relegada a uma caixa, que se coloca no presépio uma vez por ano; é preciso um pretexto para dar certa aparência religiosa a esse natal pagão. As palavras que essa Criança trouxe aos homens não são ouvidas; são exigentes e importunas, enquanto um cristianismo adocicado é muito mais cômodo. 

 

“Veio entre os seus” (Jo 1,11)

Jesus não é uma tradição anual, não é um mito, não é uma fábula. Jesus é parte verdadeira da nossa história humana. O sentido teológico da vinda de Cristo não destrói por si só a moldura festiva e a poesia do Natal, mas a redimensiona e a coloca em seu justo contexto; Jesus que nasce é a Palavra de Deus que se faz carne; nós, seres humanos, somos levados talvez a nos deter mais na criancinha, terna e frágil, do que em seu aspecto de Verbo encarnado. A liturgia da Palavra da missa da noite (véspera de Natal) e do dia de Natal nos proclamam o Evangelho de Lucas e de João. Lucas nos fornece particularidades históricas. Mostra Jesus pobre, filho de humildes operários, um número apenas de uma remota província do império romano, um portador de todas as promessas do Antigo Testamento. Embora, um pouco diferente do que era esperado e suspirado pelo povo judeu, tanto que só os pobres, os “vazios de si”, os vigilantes, O reconhecem. Em João o Verbo encarnado nos abre a nova criação: o homem adquire a condição de filho de Deus; a relação homem-Deus, que o pecado havia rompido, é restabelecida em Cristo. Tornado filho de Deus, o homem está em condições de realizar seu papel de criatura; pode dirigir-se a Deus e chamá-lo de “Pai”, e é livre, porque filho e não servo, e ama os outros homens porque irmãos. E de espírito desarmado caminha definitivamente para a eternidade, onde Deus nos espera na Jerusalém celeste.

Feliz e abençoado Natal, que o Deus-Menino nos encha de paz e alegria sempre.

Pe. Rogério Luís Flôres

Pároco - Paróquia Madre de Deus - Catedral Metropolitana de Porto Alegre

Livros e Sentido da vida

05/11/2022


Novamente a Feira do Livro retorna com todo seu vigor e nos remete a tantas questões importantes e essenciais da vida humana. Tocar no tema do Livro significa abordar tudo o que diz respeito à nossa Humanidade: nossa identidade, sentido da vida, linguagem, comunicação, expressão, convívio, fraternidade, relacionamento, busca, esperança, paz e por aí vai uma gama de valores que a arte de ler um texto e um livro nos proporciona sem precedentes.

 

A arte de  interpretar aquele conjunto de palavras que se descortina a nossa frente, estabelecer uma espécie de diálogo com o autor, concordar ou discordar, fazer acréscimos, dar asas à imaginação, despertar novos horizontes, avaliar criticamente, sentir as emoções que nos despertam e, por fim, ter consciência de que saímos melhores daquela leitura.

 

Nestes tempos de alta tecnologia, de uma invasão digital em nossas vidas, do acento ao virtual e, infelizmente, de tanta contraditoriedade expressa numa guerra de negação da verdade em todos os sentidos, o contato com o livro físico, o papel, a textura, o cheiro, o aspecto de novo ou mesmo de usado, mas que não importa quando o tema é bom, esta arte de ler um livro não tem preço. Aristóteles em contraposição a Platão no séc. IV a.C. (ou aEC) defendia que o conhecimento começa pelos sentidos. Tanto que dizia que nascemos como um tábula rasa. É bem verdade que a dimensão sensorial não nos dá um conhecimento preciso e exato, mas é o começo.

 

Hoje a neurociência nos ajuda a entender que não dispomos apenas dos cinco sentidos, mas que se estendem em mais estes: propriocepção - sensação de onde estão as partes do corpo e o que estão fazendo. Equilibriocepção - senso de equilíbrio, chamado GPS interno, permite-lhe ter a exata noção se você está sentado, em pé ou deitado. Nocicepção - a sensação de dor. Termocepção - sensação de temperatura. Cronocepção - sensação de passagem do tempo. Interocepção - sensação de suas necessidades internas: fome, sede, ir ao banheiro.

 

De outro lado, o ser humano não é só matéria e um agregado de células, músculos, nervos, ossos, mas temos um segundo andar em nossa constituição antropológica, ou seja, nossa razão e nosso espírito não param no conhecimento sensorial, mas querem algo mais. Fazemos referencia então aos valores transcendentais: Verdade, Bondade, Beleza. Aí entram as ciências humanas e as tradições religiosas a nos ajudar nesta arte de conhecer e fazer a experiencia destes valores. Talvez repita esta história, mas concluo este artigo com a lição que ela nos dá.

 

Num simpósio três palestrantes - um cientista, um filósofo e um teólogo - abordavam um determinado tema. O cientista iniciou logo dizendo que só acreditava no que passava pelo método científico, portanto, no que pode ser experimentado. O filósofo, por sua vez, perguntou se ele era casado e recebendo a resposta afirmativa questionou se o cientista tinha conseguido alguma vez medir ou pesar de forma experimental o amor entre ele e sua esposa. O teólogo então agradeceu aos dois porque a partir deste questionamento ele podia seguir sua reflexão e falar sobre Deus, como também, sobre os valores que transcendem o nosso universo empírico. Daí, que Verdade, Bondade e Beleza são transcendentais, mas que podem estar presentes na vida humana pela Fé e Razão. Estas são as duas grandes asas para o ser humano alçar o voo mais alto rumo à experiencia da Verdade, Bondade e Beleza. E, no meio, um bom livro, vários livros, muita leitura. Isto definitivamente não tem preço.

Pe. Rogério Luís Flôres

Pároco - Paróquia Madre de Deus - Catedral Metropolitana de Porto Alegre

Acontecimentos relevantes, datas importantes

24/09/2022

Além das datas tradicionais de setembro - 07 e 20 - neste ano os dias 14 e 15 de setembro ficaram marcados por alguns acontecimentos relevantes e que recordamos aqui. Em primeiro lugar, lembro que no dia 14 do corrente a Paróquia Nossa Senhora da Conceição, de Viamão, completou 275 anos da sua existência. Na verdade, no dia 14 é celebrado o aniversário do Município e da Paróquia. Viamão é de 1741 e a Paróquia de 1747. Portanto, Viamão celebrou 281 anos. Lembramos que este Município foi capital da Província entre 1762 e 72, sendo que ainda em 1772 o Porto dos Casais passa a ser a nova Capital. Tive a oportunidade de trabalhar durante 17 anos na Paróquia N. S. da Conceição e na igreja de estilo barroco com paredes de quase 2 m de espessura. Muitas vezes confundem a data da sua edificação com a época em que a Freguesia foi capital da Província. Na verdade, a igreja que lá está começou a ser construída em 1787 e ficou pronta em 1799. É um belo exemplar do nosso barroco mais simples do século XVIII aqui do sul do Brasil.  A Paróquia N. S. Da Conceição é a segunda mais antiga do nosso Estado, só ficando atrás da Catedral S. Pedro, de Rio Grande. 


Também no dia 14 aconteceu no Cazaquistão a abertura do VII Congresso de Líderes Mundiais e Religiões Tradicionais do qual o Papa Francisco participou e deixou sua marca pelo que falou e também pela forma fraterna e cordial de se dirigir aos demais líderes religiosos, principalmente ao representante do patriarca da Igreja Ortodoxa russa com quem o Papa gostaria de se encontrar. Seria uma forma de ajudar para uma posterior cessação do conflito deflagrado pela Rússia contra a Ucrânia. As palavras do Papa foram muito contundentes neste encontro: “Deus é paz, é sempre conduz a paz, nunca a guerra.” E deixou quatro desafios: da pobreza, da paz, do acolhimento fraterno e do cuidado com a Casa Comum. 


Por fim, no dia 15 foi oficializada a Igreja N. S. Das Dores como Basílica Menor, recebendo este título do Vaticano e ganhando uma nova configuração no contexto das mais de 80 paróquias presentes em nossa cidade de Porto Alegre. Evidentemente, sabemos que vivemos numa cidade extremamente secularizada e não pouco arredia quando se trata de abordar o universo religioso e, especificamente, se for colocada em pauta a Igreja Católica e o Cristianismo. Mas, é preciso entender este fenômeno e, de outro lado, seguir sempre com um trabalho pastoral adequado aos desafios que a realidade de cada época e de mundo impõe às instituições, sejam elas religiosas ou civis. Sabemos hoje que para a própria sociedade civil e suas instituições há uma série de desafios e problemas que requerem um tratamento muito especial para ajudar as novas gerações no cumprimento da sua missão.

 

Evidentemente, que o título de Basílica Menor contribuirá para dar amplo destaque à igreja das Dores, que já tem no contexto da cidade e do Centro Histórico o seu papel reconhecido. Mas, como para todas as paróquias desta cidade e, neste sentido, também para a nova Basílica Menor, sempre paira no horizonte desafios relevantes, tais como: formar efetivamente comunidades vivas com laços sólidos; criar e intensificar laços de fraternidade, justiça e amor; implantar e melhorar sempre mais uma cultura de tolerância, perdão, respeito, educação; desenvolver amplamente também uma cultura de cuidado não só com animais, vegetais e natureza, mas primordialmente com os seres humanos, principalmente os que mais precisam; contribuir efetivamente para que politicas novas assegurem emprego e renda para tantas pessoas hoje passando fome e abaixo da linha da pobreza; trazer para a cidade novamente a dimensão do belo e, portanto, de cuidado com nosso patrimônio público: praças, prédios históricos, igrejas, museus e tantos outros patrimônios relevantes que não merecem o descaso que aí está.

 

Sabemos que há um esforço e começa a se despertar algum grau de consciência em alguns setores sobre este cuidado com a cidade, com o belo, mas precisaremos ainda muita quilometragem nas gerações futuras para alcançarmos um grau bem maior de evolução e maturidade neste quesito. O coletivo e o comunitário parece que é de ninguém. Tal é esta situação que na linha de ônibus rápidos no Rio de Janeiro foi implantada uma espécie de voz da consciência. Ou seja, quem pula a catraca é visto num monitor onde o agente avisa pelo sistema sonoro com volume expressivo para que a pessoa volte e pague o ticket. E já deu resultados. Que caminhemos para dias melhores de responsabilidade e maturidade em todas as dimensões da vida humana.

 

Pe. Rogério Luís Flôres

Pároco - Paróquia Nossa Senhora Madre de Deus - Catedral Metropolitana de Porto Alegre

Segurança: interna e externa

15/06/2022

Desde o início de março estamos envolvidos numa boa empreitada sobre Segurança no sentido específico de participar de um projeto de cercamento eletrônico, mas que é nominado de “Vigilância Colaborativa”. João Volino, presidente da associação do Bairro Auxiliadora, foi o responsável por dar andamento a este projeto que conta com diversas parcerias. Numa delas Ana Maria Lenz, presidente da Associação do Centro Histórico, participou das reuniões da gestão da Vigilância Colaborativa e nos trouxe depois, não só a ideia, como também a presença de João Volino com quem então avançamos em termos práticos até chegarmos à câmera de vigilância. Equipamento que já está instalado junto ao gradil da Catedral na lateral da descida da rua Espírito Santo. Segundo João Volino “a Vigilância Colaborativa conta com aplicativo para agilizar a ‘Informação de Ocorrência’ às forças de segurança pública. Com o passo a passo para cadastramento do ‘Manual de Instruções’, os moradores e comerciantes passam a ter, na palma da mão, informações para melhor experiência do serviço de monitoramento do ‘ASTRO 4.0.‘

 

A implantação do projeto se deu numa quadra do Bairro Auxiliadora que então inaugurou a Vigilância Colaborativa. Depois, segundo João Volino,  “a expansão da mesma começou no bairro Moinhos de Vento, com a instalação do ASTRO 4.0 na sede do Associação Leopoldina Juvenil, parceira de primeira hora, e a co-gestão da Associação dos Moradores e Comerciantes do Moinhos de Vento.” A ideia é muito simples: visa  transformar nossos bairros em Zonas de  Segurança, ou seja, bairros mais seguros para os familiares, vizinhos e amigos e clientes! Por fim, chegou a vez do Centro Histórico. Conforme escreveu Volino a “Vigilância Colaborativa foi iniciada no Centro Histórico, pela Catedral Metropolitana, com instalação do ASTRO 4.0 para levar mais segurança aos moradores e comerciantes, em parceria com as forças de segurança pública.” Algumas semanas atrás aconteceu nas dependências da estrutura pastoral da Catedral uma reunião com Presidência da Associação do Centro e síndicos onde João Volino explanou sobre todo o projeto para de fato conscientizar a comunidade e dar andamento na expansão da Vigilância Colaborativa e, portanto, nesta ampliação da segurança como um todo sempre em parceria com os órgãos públicos. Evidentemente, que os passos são lentos e se trata de todo um processo a ser implementado e que vai depender da resposta da comunidade. São recursos de tecnologia avançada envolvendo parceiros que visam o bem da comunidade.

 

Todavia, como escrevi no título o ideal é que tivéssemos uma segurança a partir do “interno”, ou seja, seria um céu se o próprio ser humano tivesse as condições básicas de vida satisfeitas, pudesse de fato contar com um processo de educação ao longo de sua vida para não só contemplar a realização pessoal, mas principalmente para o cuidado com o BEM COMUM, o bem de todos, a proteção das pessoas - crianças, jovens, adultos e idosos - famílias e comunidades. Queríamos tanto a liberdade plena, sair de regimes ditatoriais, viver numa sociedade democrática, aberta, livre e acabamos ficando encarceradas com nossos problemas humanos e sociais sem precedentes. Queira Deus que avancemos para dias melhores desde o mandatário da nação até o mais simples e humilde cidadão deste país. Deus nos abençoe nesta empreitada.

 

 

Pe. Rogério Luís Flôres

Pároco - Paróquia Nossa Senhora Madre de Deus - Catedral Metropolitana de Porto Alegre

Mãe na terceira idade

06/05/2022

 

 

Em início de março faleceu meu pai com 85 anos. Como já fazia antes no cuidado com os pais, mais agora se intensifica o cuidado com a mãe uma vez que sou filho único e tenho esta bela missão. Ainda em abril um colega padre partilhava uma situação vivida na sua paróquia numa cidade aqui da região metropolitana de Porto Alegre. Duas filhas simplesmente internaram a mãe numa casa geriátrica e venderam o apartamento para ficar com os valores. Meu colega corajosamente interpelou as duas filhas revelando que não era esse o desejo da mãe. Enfim, temos hoje inúmeras situações de um total descaso e insensibilidade com as pessoas na terceira idade e que revelam uma imaturidade e desumanidade sem precedentes de filhos, netos e parentes.

 

Realmente, nossa população envelheceu e caminhamos hoje cada vez mais com a necessidade de dar todo o carinho e despender todas as energias e recursos possíveis com aqueles e aquelas que também entregaram o melhor de si desde a nossa concepção até o momento da nossa vida adulta e autônoma. Ainda sim temos hoje uma realidade de filhos já com certa idade e que permanecem no “ninho” com os pais ainda por longos anos de sua vida adulta.

 

Com certeza, das tantas dificuldades que estamos presenciando hoje no cuidado das pessoas mais velhas e desta relação direta da responsabilidade dos filhos com os pais idosos, muitas das causas advém de uma total falta de espiritualidade, de religiosidade, de mística na vida, de cultivo de fé e, portanto, da total ausência de um verdadeiro amor que deveria perpassar a vida de pais e filhos, em última análise, da família como um todo. Nossos modelos de vida desde o advento da modernidade e de toda uma sociedade tecnificada e, ultimamente, mais digitalizada e virtual, parecem que nos esvaziaram e levaram junto nossa humanidade por água abaixo. 

 

Quando o ser humano se afasta e se distancia da sua fonte que é Deus definitivamente sua vida vai a bancarrota. Não há dinheiro, poder, prazer, conquistas que possam preencher o vazio na natureza humana onde só Deus pode habitar.  Por isso, para este segundo domingo de maio, Dia das Mães, aproveitamos este espaço privilegiado para uma chamada do cuidado tão fundamental e importante com nossas e Mães e Pais, ainda mais na fase da terceira idade. Não nos preocupemos tanto com presentes, almoços e jantares, com coisas a fazer, mas com a presença amorosa: de filho, filha, netos, sobrinhos, enfim, presença humana e espiritual com nossas Mães e Pais que sempre merecem este amor humano de nossa parte.

 

Por isso, na Cruz, hora derradeira da sua morte, Jesus não existiu em dizer para o discípulo amado “Eis aí tua Mãe!”. E o mesmo disse a Maria “Eis aí o teu filho!” Também em Maria a humanidade inteira tem uma Mãe.  Sejamos bons filhos e filhas, sempre e com certeza um lugar no Céu teremos com nossos pais e com Aquele que é nosso Pai por excelência - Deus - e Maria, nossa Mãe Santíssima. Abençoado Dia das Mães.

 

Pe. Rogério Luís Flôres

 

Pároco - Paróquia Nossa Senhora Madre de Deus - Catedral Metropolitana de Porto Alegre

Abençoada Porto Alegre, abençoadas histórias

30/03/2022

 

 

Nestes 250 anos de Porto Alegre aproveito este espaço privilegiado para fazer uma retrospectiva do meu contato inicial com a capital de nosso Estado. Também trago alguns momentos importantes vividos aqui e que hoje se mesclam com a oportunidade de morar e trabalhar no centro da capital dos gaúchos. 1977 foi o primeiro contato com  Porto Alegre. Fomos ao Beira-Rio onde ocorreu um jogo dos juvenis treinado por um teimoso professor de educação física que tinha iniciado uma Escolinha de Futebol em Montenegro ligada ao Inter. Ainda vimos e cumprimentamos o jogador Lula na concentração e naquele sábado passamos o dia aqui. Depois foi a vez do Olímpico numa espécie de vestibular em novembro de 1981 para ingressar na Escola de Sargentos Especialistas, que existe até hoje em Guaratinguetá, S. Paulo. O sonho de seguir uma carreira militar na aeronáutica, ser fotógrafo aéreo, levou-me junto com um amigo a passar na casa dos seus avós durante uma semana no bairro Partenon. De segunda à sexta pela manhã pegávamos o ônibus da linha Cascatinha rumo ao Olímpico para as provas. Lembro-me do goleiro Leão treinando com todo o time do Grêmio.

 

Depois veio o ingresso no Seminário S. José, em Gravataí, 1983. Neste ano foi a vez de conhecer a Catedral na ordenação episcopal de d. José Mário Stroeher na noite de 24 de junho, solenidade da Natividade de S. João Batista. Em 1984 voltaria à Catedral para atuar como acólito nas celebrações da Semana Santa presididas por d. Cláudio Colling, arcebispo naquela época. E, depois destas datas a relação com Porto Alegre foi sempre de amizade, simpatia, bem-estar e, porque não dizer de amor. Ela é uma cidade grande, sim, mas tem um ar das boas cidades do interior. Evidentemente, toda a minha frequência na capital do RS sempre se deu a partir do universo religioso: passagem por muitas paróquias e escolas católicas em visitas e trabalhos pastorais, reuniões no Centro de Pastoral nos fundos da Igreja s. Pedro.

 

Passagem frequente e constante pela Cúria Metropolitana. De 1993 e 1998 coordenei a Pastoral Vocacional na Arquidiocese e foi o período em que começamos as romarias vocacionais no terceiro domingo de agosto percorrendo o pequeno trecho da rua que leva da Oscar Pereira até o Santuário Mãe de Deus nos altos da Glória. Como não lembrar neste mesmo entorno da Vila Betânia, ao lado do Hospital Divina Providência, onde tantos retiros fiz ainda como seminarista e depois como padre, além da participação em muitas reuniões, assembleias, cursos e outras atividades. Hospitais como Divina Providencia e Mãe de Deus pude tratar uma lesão do joelho esquerdo. Sta. Casa de Misericórdia foi e é sempre um espaço de visitas aos doentes. Lá também acolheu muito bem meu pai para uma cirurgia cardíaca. Em rádios e órgãos de imprensa também tive espaço na divulgação de nosso trabalho, ainda pude celebrar uma missa na antiga TV Difusora numa manhã de domingo. Em termos históricos é importante lembrar que a capital da Província esteve em Rio Grande, depois em Viamão (1762-72) e justamente em 1772 Porto Alegre passa a ser a capital da Província de S. Pedro. Não se pode esquecer o núcleo religioso e a presença da Igreja na fundação desta cidade.

 

De outro lado, no meu ministério sacerdotal, também acabei imitando esta história visto que, depois de 17 anos em Viamão, em janeiro de 2016 assumi como pároco a Paróquia Madre de Deus, nossa Catedral Metropolitana. E já se vão 6 anos deste ministério neste coração do Porto dos Casais. Independente de todas as dificuldades históricas e as que vivemos hoje, temos que reconhecer uma história abençoada por Deus nestes 250 anos. A Mãe de Deus com certeza estende o seu manto maternal sobre todos os filhos e filhas desta cidade, os que chegam e os que partem, os que ficam e os que virão, os que deixaram suas marcas e já estão no céu. Parabéns Porto Alegre, sejas sempre abençoada por Deus e protegida pela Mãe de Jesus e nossa Mãe.

 

Pe. Rogério Luís Flôres

 

Pároco - Paróquia Nossa Senhora Madre de Deus - Catedral Metropolitana de Porto Alegre

Morte: uma irmã

19/03/2022

 

As águas de março marcaram para mim e minha mãe a partida de meu pai, exatamente, na tarde de sexta-feira, 04, na UTI do Hospital Montenegro. Inicialmente diagnosticado com infecção urinária em duas consultas médicas (SUS e particular) no dia 28/02, o problema se agravou e na manhã da quarta de Cinzas, depois de uma parada cardiorrespiratória na emergência do hospital. Dali veio a intervenção na causa real que era intestinal, mas ele não voltou mais, ainda sobreviveu dois dias inconsciente e, por fim, descansou. A partir daí, damos os encaminhamentos para a organização do velório e sepultamento e passamos então a vivenciar o luto. Mas, não só. Daí o título deste texto, “morte, realmente uma irmã”.

 

Na verdade, ao longo da manhã de sábado, durante o velório e, principalmente, à tarde na missa de corpo presente na comunidade da Capela N. Senhora das Graças, a experiência vivida não foi de dor, perda, sofrimento ou até mesmo desespero, inconformidade ou coisa parecida. Inúmeras pessoas conhecidas e amigas, de longe ou de perto, paroquianos da Nossa Senhora da Conceição, de Viamão, e da Catedral Madre de Deus, de Porto Alegre, além obviamente, da presença de alguns padres e quatro bispos - D. Jaime, D. Adilson, D. Darley e D. Paulo (bispo emérito de Montenegro) - ex-integrantes do nosso grupo de jovens dos anos 80, o Grupo SER (Somos Enviados Responsáveis), enfim, uma gama de pessoas unidas a nós na solidariedade, no consolo, na força, na esperança, enfim, manifestação do próprio amor e misericórdia de Deus na força do seu Filho Ressuscitado que nos confortou e nos deu a certeza mais uma vez que a morte não é o fim, o término, a palavra final, mas passagem para a vida eterna.

 

Como padre e no trabalho pastoral estou a todo momento envolvido com estas situações de atendimento a doentes e situações de exéquias. Faz parte do nosso ministério. Sempre procurei buscar o máximo de empatia nestas situações com as famílias enlutadas e sofridas pela partida de um ente querido. Não é perda, na verdade, não é sinônimo de saudades eternas, mas como diz o ritual de exéquias: “na morte a nossa vida não termina, mas é transformada”.

 

Enfim, neste período inicial de vivencia deste luto, não fica nenhum traço de dor e sofrimento, pelo contrário, prevalece a alegria por um pai que completou o arco da existência nos seus 85 anos bem vividos: como pai, esposo, chefe de família, cristão e membro efetivo e praticante da fé numa comunidade católica. Pai operário (montador de móveis), profissional, competente, correto, sério, excelente assador de churrasco, alegre, descontraído, claro, com suas manias que também todos nós temos. A vida de uma pessoa assim que se encerra nós só temos a agradecer, só temos a dizer a Deus: GRATIDÃO.

 

Todavia, ver de novo uma guerra insana ceifar vidas humanas inocentes, destroçar famílias, abreviar os sonhos de crianças e jovens como também uma ideologia mundial de defesa e promoção do aborto, isto sim é morte no sentido mais desastroso da palavra. Ver ainda tantos perdendo a guerra para as drogas e dependência química, tráfico humano, abusos de toda ordem contra crianças, mulheres e vulneráveis, isto sim é morte. Ainda bem que nesta Quaresma novamente somos agraciados com o itinerário de convite à conversão de nossas vidas para celebrar a Páscoa como a grande festa do Ressuscitado, do Cristo vencedor não só da morte, mas da fonte do mal.

 

Como disse o Cardeal Frei Raniero Cantalamessa, pregador de retiros da Casa Pontifícia: “No Cristo a vítima vence o poderoso, o dominador”. Ele é o Cordeiro Pascal que definitivamente nos conduz à morada celeste: Caminho, Verdade e Vida. Tinha razão S. Francisco de Assis. A partir de Cristo, a morte é irmã e não mais fim e término. “Ó morte onde está tua vitória, Cristo ressurgiu honra e glória!”

 

Pe. Rogério Luís Flôres

 

Pároco - Paróquia Nossa Senhora Mãe de Deus - Catedral Metropolitana de Porto Alegre

Natal: mistério ou magia?

24/12/2021

 

 

É a época do ano em que os corações humanos se sentem permeados por um clímax especial em função do Natal. As propagandas e publicidades, enfeites e ornamentações nos espaços públicos, o próprio presépio nas casas e igrejas, luzes e mais luzes em todos os ambientes, enfim, os espaços externos tentam traduzir o significado de uma festa que já se distanciou muito da sua originalidade. Por isso, o título com a pergunta: Natal é mistério ou magia? Na verdade, era no Império Romano a festa do “Sol invictus”, festa pagã que acaba sendo cristianizada. O sol que não se põe é o Filho de Deus que, pelo mistério da sua Encarnação, entra definitivamente na vida humana assumindo a nossa natureza e unindo-a perfeitamente à sua Divindade. Por isso, a consciência da Igreja desde o primeiro século de que tudo o que foi assumido pelo Filho de Deus foi redimido, isto é, salvo. Desta forma, o Natal nos remete sempre ao mistério da Encarnação do Filho de Deus.

 

Jesus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, faz-se carne para nos salvar. Isto vai muito mais além do que um sentimento de magia, de algo espirituoso. Podemos afirmar sem medo que Deus nos propõe na Encarnação do seu Filho uma mudança estrutural (essencial) na nossa vida. As palavras do primeiro sermão de Natal de S. Leão Magno (séc. V) são profundas neste sentido: “Amados filhos, demos graças a Deus Pai, por seu Filho, no Espírito Santo; pois, na imensa misericórdia com que nos amou, compadece-se de nós; ‘e quando estávamos mortos por nossos pecados, fez-nos reviver com Cristo’, para que fôssemos nele uma nova criação, nova obra de suas mãos.” E arremata o grande Papa que enfrentou a invasão dos bárbaros na sua época: “Despojemo-nos, portanto, do velho homem com seus atos; e tendo sido admitidos a participar do nascimento de Cristo, renunciemos às obras da carne. Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade, e já que participas da natureza divina, não voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição. Recorda-te de que foste arrancado do poder das trevas e levado para a luz e o reino de Deus.” Abençoado Natal com a Luz do Menino-Deus e 2022 repleto de esperança e dias melhores sob a proteção do manto maternal de Maria Santíssima, a Mãe de Deus.

 

Pe. Rogério Luís Flôres

 

Pároco - Paróquia Nossa Senhora Mãe de Deus - Catedral Metropolitana de Porto Alegre

O jogo da vida

Escrevo este artigo na semana em que começa a Copa do Mundo de Futebol na Rússia. Escrevo mais especificamente no dia em que no calendário litúrgico celebramos a memória de Sto. Antonio de Pádua, presbítero e doutor da Igreja, popularmente conhecido como “santo casamenteiro”, mas, na verdade, um grande pregador do Evangelho e missionário. Nas mídias segue o destaque para reportagens diretamente do País da Copa, a propaganda tenta incendiar o brasileiro para este mundial, parece haver um contexto diferente para a Seleção Brasileira de Futebol que chega a mais uma disputa deste campeonato com grandes chances de ser campeã. Todavia, no jogo da vida aqui no Brasil, como de resto no mundo todo, ainda caminhamos em meio aos nossos acertos e erros do cotidiano. Surge uma nova esperança depois do encontro dos grandes líderes – Donald Trump e o ditador norte-coreano King Jong-Um – para a verdadeira paz no mundo. O risco de uma guerra de proporções nucleares parece no momento sepultada.

 

No Brasil não se consegue acertar o preço do frete e segue a lengalenga na questão dos transportes e os aumentos nos combustíveis. Realmente, não dá para entender muito do que acontece em nosso País. Em última análise, pela minha própria vocação como padre e serviço à Igreja recorro ao universo da Fé para buscar a compreensão da realidade com fundamentos bem mais sólidos e que nos ajudem a caminhar para dias melhores nunca esquecendo o recurso a velha e batida “esperança” que, no dizer de S. Paulo, “nunca desespera”. Aliás, o cristão sabe que desde o seu Batismo está marcado pelas virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade. Neste sentido, é interessante notar como um texto de quase 3 mil anos atrás continua sendo atualíssimo e de uma força impactante. Segundo relato da criação do Universo, do Homem e da Mulher, o texto bíblico do Gênesis é uma verdadeira pérola, um ícone da literatura mundial que transcende os limites da religião judaico-cristã. Alguns breves tópicos destaco aqui, mas o texto dá margem a um verdadeiro curso não só de Teologia, mas de Antropologia e com certeza de outras ciências mais se formos perspicazes o suficiente para perceber o longo alcance da perícope bíblica. Este segundo relato traz a referência ao pecado que não é ingenuamente como pensamos a posse de uma “maçã” arrancada por Eva da árvore depois de tentada pela serpente. O texto é uma crítica à cópia que os hebreus fizeram do sistema de reinado dos povos vizinhos. No século IX a.C (a.E.C. – antes da Era comum como preferem hoje) o Povo de Israel se dividiu em dois Reinos: Sul e Norte. Neste sistema deixaram uma série de injustiças entrar em sua vida e basicamente romperam a aliança com Deus dando espaço à idolatria. A serpente que conversa com a mulher é uma referência às religiões sírio-fenícias que cultivavam o culto pagão da fertilidade (representado na união de um sacerdote com uma prostituta sagrada). Todo o jardim de delícias, Éden, é dado ao casal recém-criado, mas eles querem se apossar do que não lhes pertence: a árvore do meio do Paraíso. Quando Deus vem ao jardim não encontra as suas criaturas prediletas. Em nossa cultura gauchesca diríamos que Deus vem “tomar um chimarrão” com Adão e Eva no final da tarde. Ou na linguagem urbana diríamos que era o momento do happy hour de Deus com a Humanidade. Mas, homem e mulher estão escondidos. Deus faz a pergunta certeira: “Onde estás?” (pergunta marota aos candidatos aos cargos eletivos: estás do lado do bem, da justiça, da transparência ou da corrupção, da propina, da bandidagem?) Adão responde: “a mulher que me deste por companheira me deu da fruta e eu comi. Depois vi que estava nu e senti vergonha”. Na verdade, Adão coloca a culpa em Deus e não na mulher, porque foi Deus que a deu por companheira.

 

Enfim, estamos hoje num País dividido e tão enrascado com tantos problemas que a velha e sonhada estabilidade econômica não resolveu. Ficamos colocando a culpa sempre nos outros, ou então, como é de praxe em Deus mesmo. Achamos que tudo de ruim e de injusto vem de Deus. Ainda bem que no texto do Gênesis só sai amaldiçoada a serpente. E daí vem a expressão “proto-evangelho”, ou seja, primeiro Evangelho, por que Deus afirma que a mulher pisará com seu calcanhar a serpente. Maria será a nova Eva e Cristo o novo Adão. A serpente tomada depois na tradição cristã como expressão da fonte do mal (Satan, Satanás – adversário; diabo, diabolôs – o que divide, esparrama; caluniador) será definitivamente vencida pelo Filho de Deus, Jesus Cristo, erguido agora no madeiro da Cruz, a nova árvore da Vida. No jogo da vida Deus no seu Filho Jesus vence definitivamente todo o mal. Para nós fica a missão mais fácil: acreditar, viver o dom da Fé, da Esperança e da Caridade. E mais: com a força do Espírito Santo.

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